sexta-feira, setembro 29, 2006

AnZoL


Se um dia vires um homem com

fome,


não

lhe dês um peixe...





Ensina-o a pescar...

segunda-feira, setembro 18, 2006

Demasiado tarde...

Quando dei conta era demasiado tarde.
Já os espinhos me tinham nascido ao longo do dorso alongado e,
embora adormecidos, eu sabia que eles um dia acordariam,
para resgatar a autonomia perdida.


Quando dei conta, era realmente, demasiado tarde.
Já definia territórios na lei da legitimidade das coisas e tinha como

meus, os domínios de um mar que nunca conhecera.
Já os meus olhos, de cor indefinida, se fixavam nos vidros do aquário,
numa tentativa punjente de libertação.
De fuga, às limitações a que os peixes palhaços me submetiam,
à primeira vista, inofensivos, coloridos e afáveis brincando macios,
em anémonas dançantes.



Extemporâneamente me apercebi da inevitabilidade da mudança,
da necessidade das escamas, guardiãs da alma.
























Quando dei conta de mim, percebi por fim, que eu tinha morrido lentamente dentro de um aquário de sal e quem ocupava, agora, este corpo, era o meu peixe balão.

sexta-feira, setembro 08, 2006

Serenidade koi


Já era noite quando chegou a casa.

Cansada, deixou cair a mala sobre a cama, despiu-se rapidamente e correu para o duche...

Deixou que a água fria lhe doesse na pele e pacientemente esperou que a temperatura subisse, olhando absorta, as gotas de água que se despenhavam em cascata nas suas mãos abertas...

Ritualmente esfregou com força os músculos doridos pelo dia e deixou que o perfume da espuma subisse até ao seu cérebro, torturado...

Passou o exfoliante pela pele, numa tentativa teimosa de renovação de células e deleitou-se com o branco dos turcos em que se envolveu...

Saiu, deixando que a nuvem de vapor perfumado se espalhasse pelas paredes e de forma indiferente, vestiu as suas velhas calças de algodão e a sua camisola larga...acendeu as velas, ligou a aparelhagem e sem paciência para escolher um cd, decidiu-se pelo "Oceano Pacifico"...

Abriu a janela que dava para o pequeno jardim, aspirou o perfume da noite e por fim sentiu a sensação de paz próxima...deixando a janela aberta de par em par, dirigiu-se à cozinha e preparou a sua chávena de café, pegou na lata de comida para peixe e entrou pela pequena porta rodeada de heras e hibyscus amarelos, para o seu mundo encantado...desceu os três degraus e sentando-se no último, soube que aquele seria um momento mágico...ainda com a chávena de café na mão esquerda, com a direita espalhou os pequenos grãos de alimento pelo lago e sorriu às karpas koi que devoravam famintas o jantar tardio...foi bebendo lentamente o café, deixando a pouco e pouco a sua mente libertar-se de todas as contrariedades, desejos, frustrações e tensões...lentamente esqueceu as notícias da guerra que nenhum acordo, até agora, conseguira travar, as imagens dos mortos, dos escombros, da destruição...do caos, dela.

Os pequenos peixes ziguezagueavam pela água fresca, enchendo de cor e movimento as folhas dos nenúfares e dos papiros frondosos...

Como se já muitas vezes tivesse encenado aquela noite, olhou uma vez mais o seu jardim...as hortênsias azuis, as rosas, as pedras graníticas, o suor dos anos em adubo. Em gota. Percorreu ávida a parede de pequenas flores brancas e perfumadas que separavam o seu espaço do dos vizinhos...e brincou com as heras que serpenteavam no ar...

Lembrava-se ainda, de quando tudo era só terra seca, antes dos jasmins, antes dos bambus do lago, antes das alegrias da casa e das buganvílias...antes do rodondedro... lembrava-se da esperança, semeada em canteiros, lembrava-se da sua força enterrada em raízes.

Depois, da sua primavera em flor.

Olhou as lanternas que há muito ninguém acendia, e fez desenhos de pó na teia onde se tinha perdido...sabia agora o caminho a percorrer e a lógica dos seus passos, para ela era a coisa mais simples do mundo...desse mundo estranho e bizarro, onde ninguém se entendia, perdidos pela ambição desmedida e a vaidade fútil...

Surpreendemente não lamentou outros bens nem se lembrou de outros valores.

Reteve nas pupilas o jardim encantado e foi nele que se deitou.

Desejou por breves momentos que o mundo parasse e o tempo também.

O tempo nunca parou.

Na manhã seguinte, embalou as suas roupas e saiu serena, sabendo que nunca mais voltaria.

Só as karpas poderiam entender.